quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Artigo-resposta à Folha de SP, pelo CA XI de Agosto (Direito/USP)

Em defesa da educação pública e da verdade

Por Lúcia Stumpf e Ricardo Ribeiro*

Em artigo publicado neste espaço no último domingo, o diretor da
Faculdade de Direito da USP, João Grandino Rodas, procura justificar
suas atitudes em relação ao ocorrido entre os dias 22 e 24 deste
mês. Primeiro, a ocupação simbólica da instituição pelos movimentos
sociais. Depois, a truculenta desocupação pela Tropa de Choque da
Polícia Militar. Por fim, o fechamento da faculdade por dois dias,
com suspensão das aulas.

O desembargador evoca o Estado democrático de Direito, os bons
índices acadêmicos e de pesquisa da universidade pública brasileira
e dispara: "É aceitável que grupos alheios à universidade a usem
como palco privilegiado de suas reivindicações, por mais justas que
possam ser?".

Nossa resposta: o objetivo, ao adentrar simbolicamente as
centenárias arcadas, foi provocar a reflexão sobre os graves
problemas que afetam a educação em nosso país e dizer que queremos,
sim, cada vez mais, ver pobres, negros e sem-terra, "os alheios",
ocupando as carteiras das universidades brasileiras.

Ao longo dos anos, o sistema público de ensino inverteu a sua lógica
de ser instrumento de inclusão, promoção social e desenvolvimento
nacional. Sofreu intenso processo de desmonte e se transformou em
mais um mecanismo de exclusão e marginalização de alguns setores da
sociedade.

Sem contar que a faculdade de direito, ao longo da história, se
consagrou como guarida, porto seguro, o que lhe garantiu a alcunha
de "Território Livre" para todos que enfrentavam anos difíceis nas
ruas do país. Podemos lembrar a resistência ao Estado Novo e à
ditadura militar, a greve dos metalúrgicos em 1978, as campanhas
pela anistia e as Diretas-Já.

A ocupação não desacreditava ou solapava a instituição, como sugere
o diretor. Sem a dramatização que carrega o seu texto, o protesto
contava, sim, com elementos ligados à universidade: estudantes da
USP e de outras instituições organizados pela UNE (União Nacional
dos Estudantes).

O diretor soube desse fato desde o princípio, pois enviou o
professor Nestor Duarte para representar a diretoria e conversar com
os manifestantes. Além disso, foi informada a presença do Centro
Acadêmico XI de Agosto, que, apesar de não ter participado do ato,
queria garantir que a ocupação ocorresse pacificamente.

A manifestação era simbólica e integrava a Jornada de Lutas em
Defesa da Educação, série de protestos que mobilizaram mais de 100
mil pessoas em diversas cidades e que promoveram outras ocupações de
caráter pacífico e sem incidentes com a polícia.

Símbolo desse sistema excludente, a Faculdade de Direito da USP
deveria ficar ocupada por um prazo determinado e amplamente
divulgado de menos de 24 horas. O músico Tom Zé esteve presente ao
ato, realizou show improvisado e declarou apoio à ocupação. A
proposta, desde o início, era realizar até as 15h do dia seguinte
outras atividades culturais, debates e grupos de discussão.

Em nenhum momento houve intenção de esbulho possessório, já que por
esta prática se entende o "ato de despojar o possuidor da sua posse
injustamente, ou seja, de forma clandestina, violenta ou por abuso
de confiança". Não se configurou -e isso quem fala são
representantes que estavam dentro da ocupação até as 2h, quando a
Tropa de Choque chegou batendo os cacetetes em seus escudos- nada
que justifique a acusação.

Não foi um ato clandestino. Não houve violência. A entrada e a saída
do prédio não foram impedidas. As aulas não foram interrompidas e
ocorreriam normalmente no dia seguinte. Não abusamos da confiança do
diretor -muito pelo contrário, ele é que o fez, enviando
representantes para negociar enquanto solicitava a intervenção da
PM.

A entrada do choque no "sagrado solo de são Francisco", em especial
na Sala dos Estudantes, mancha a história da instituição, pois a
fere em sua conceituação de território livre, algo tão caro para
várias gerações. Reforça ainda a visão dominante de que a
universidade pública é feita somente para os que conseguem ter
acesso a ela.

No caso da USP, em particular no curso de direito, ingressam, na
maioria, filhos de uma elite nacional sustentados, como lembra o sr.
Rodas ao final de seu artigo, "pelos impostos de todos os
paulistas". Uma parcela representativa desses contribuintes,
inconformados com a atual situação, estava se manifestando na
universidade. Como nos anos de chumbo, saíram de lá no camburão da
polícia.

* Lúcia Stumpf , 25, estudante de jornalismo da FMU, é presidente da
UNE (União Nacional dos Estudantes).
* Ricardo Leite Ribeiro , 22, estudante da Faculdade de Direito da
USP, é presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto.

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