sexta-feira, 23 de maio de 2008

Um Juiz, sobre uma Mãe


Indaga-me, jovem amigo, se as sentenças podem ter alma e paixão. O esquema legal da sentença não proíbe que tenha alma, que nela pulsem vida e emoção, conforme o caso. Na minha própria vida de juiz senti muitas vezes que era preciso dar sangue e alma às sentenças.

Como devolver, por exemplo, a liberdade a uma mulher grávida, presa porque trazia consigo algumas gramas de maconha, sem penetrar na sua sensibilidade, na sua condição de pessoa humana? Foi o que tentei fazer ao libertar Edna, uma pobre mulher que estava presa há oito meses, prestes a dar à luz, com o despacho que a seguir transcrevo:

A acusada é multiplicadamente marginalizada:
Por ser mulher, numa sociedade machista…
Por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta.
Por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo.
Por não ter saúde.
Por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si.
Mulher diante da qual este juiz deveria se ajoelhar numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.

É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho:
liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo, com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

Quando tanta gente foge da maternidade…
Quando pílulas anticoncepcionais, pagas por instituições estrangeiras, são distribuídas de graça e sem qualquer critério ao povo brasileiro…
Quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas…
Quando se deve afirmar ao mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da terra e não reduzir os comensais…
Quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.
Este juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus…
Saia com seu filho, traga seu filho à luz…
Porque cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, e algum dia cristão…
Expeça-se incontinenti o Alvará de Soltura.”

O artigo vem assinado pelo meritíssimo juiz João Batista Herkenhoff, livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo.

sábado, 17 de maio de 2008

Relato de Kim Phuc sobre o bombardeio



A foto da garota Kim Phuc, nua, fugindo de seu povoado que estava sofrendo um bombardeio de napalm, até hoje é lembrada como uma das mais terríveis imagens da Guerra do Vietnã.
No momento em que a foto foi tirada, em 8 de junho de 1972, a vida de Kim Phuc, então com 9 anos, mudaria para sempre. Hoje, 32 anos depois, Kim Phuc é Embaixatriz da Boa Vontade da UNESCO. Ela contou à BBC sua experiência.

"Em 1972, os americanos lançaram uma bomba de napalm em meu povoado, no sul do Vietnã.
Um fotógrafo, Nick Ut, tirou uma foto minha fugindo do fogo, a foto que hoje é tão famosa.
Eu me lembro que tinha 9 anos, era apenas uma menina. Naquela noite, nós do povoado havíamos ouvido que os vietcongues estavam vindo e que eles queriam usar a vila como base.
Então, quando já era dia, eles vieram e iniciaram os combates no povoado.
Nós estávamos muito assustados.
Eu me lembro que minha família decidiu procurar abrigo em um templo, porque nós acreditávamos que lá era um lugar sagrado.
Nós acreditávamos que, se nos escondêssemos lá, estaríamos a salvo.
Eu não cheguei a ver a explosão da bomba de napalm; só me lembro que, de repente, eu vi o fogo me cercando.
De repente, minhas roupas todas pegaram fogo, e eu sentia as chamas queimando meu corpo, especialmente meu braço.
Naquele momento, passou pela minha cabeça que eu ficaria feia por causa das queimaduras, que eu não ia mais ser uma criança como as outras.
Eu estava apavorada, porque de repente não vi mais ninguém perto de mim, só fogo e fumaça.
Eu estava chorando e, milagrosamente, ao correr meus pés não ficaram queimados.
Só sei que eu comecei a correr, correr e correr.
Meus pais não conseguiriam escapar do fogo, então eles decidiram voltar para o templo e continuar abrigados por lá.
Minha tia e dois de meus primos morreram.
Um deles tinha 3 anos e o outro só 9 meses, eram dois bebês.
Então, eu atravessei o fogo.

Queimaduras

O fotógrafo Nick Ut nos levou para um hospital das redondezas.
Assim que ele nos deixou lá, foi para uma sala escura revelar as fotos.
Depois, me falaram que eu e as outras pessoas feridas seriam transferidas para o hospital de Saigon.
Dois dias depois, meus pais me encontraram no hospital.
Eu passei bastante tempo no hospital: 14 meses.
Os médicos fizeram 17 cirurgias para curar as queimaduras de primeiro grau.
Metade do meu corpo ficou queimada.
Aquele foi um momento decisivo na minha vida.
A partir daí, eu comecei a sonhar em como ajudar outras pessoas. Meus pais guardaram a foto, que tinha saído num jornal, e depois a mostraram para mim."Esta é você, quando você estava ferida", disseram eles. Eu não consegui acreditar que era eu, era uma foto aterrorizante.
Eu acho que todas as pessoas deveriam ver essa foto,
mesmo hoje.
Porque essa foto mostra claramente como uma guerra é terrível para as crianças. Você pode ver o terror no meu rosto. Basta ver a foto, para as pessoas aprenderem.

Este texto foi adaptado de uma gravação feita para o site do BBC World Service em inglês.


The Kim Foundation and Save the Children
País: Timor Leste

http://www.time.com/time/asia/magazine/99/0913/timor.html

http://news.bbc.co.uk/2/hi/asia-pacific/1335939.stm

http://atimes.com/se-asia/CF15Ae01.html

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Muito Tarde

Muito tarde se percebe
Que se desprezou a chance,
Que não se fez o que pôde,
Que não se seguiu adiante...


Muito tarde é que se nota

O quanto se foi mesquinho,

De comportamento tolo,

De gesto deselegante...


Muito tarde se conclui

Que havia uma outra saída
Mais fácil e um outro caminho
Muito mais interessante...


Muito tarde se confessa

A culpa desnecessária,

O choro feito de erros,

O remorso castigante...


Muito tarde se avalia

A palavra inoportuna,

O gesto destemperado,

A atitude ignorante...


Muito tarde, muito tarde

A letra fora de hora,

O verbo fora do tempo,

O efeito desconcertante...

Muito tarde é que se sente

Que não se amou o suficiente...
"Muito tarde é que se vê
Que não se amou o bastante"...



Poesia de Luis Alberto Mussa Tavares -
http://quasepoesia.blogspot.com - médico e poeta =)